Equação de Lane-Emden

A equação de Lane-Emden é um modelo para descrever a densidade e a pressão no interior das anãs brancas.

Em astrofísica, a equação de Lane-Emden é uma equação diferencial ordinária que modeliza a estrutura interna de um sistema termodinâmico descrito pela equação de estado de um fluido politrópico auto-gravitante, ou seja, sujeito somente a influência de sua própria massa. A equação é obtida a partir da hipótese adicional de simetria esférica, que exclui as situações em que os sistemas possuem movimento de rotação.

Essa equação determina o perfil de pressão, densidade e temperatura em alguns casos de interesse físico, como o gás ideal e o gás degenerado de férmions à temperatura nula nas situações não-relativística e ultra-relativística. Esses modelos permitem uma descrição simples de anãs brancas e outros astros compactos, nos quais a pressão de degenerescência tem um papel importante.

A equação de Lane-Emden recebe o seu nome em homenagem aos astrofísicos Jonathan Lane e Robert Emden, sendo Lane quem primeiro propôs esta equação em 1870. Lord Kelvin e A. Ritter fizeram contribuições importantes ao estudo dessa equação no século XIX, assim como Ralph H. Fowler e Subrahmanyan Chandrasekhar nos anos 1930.

Apresentação

Em 1869, Lane publicou pela primeira vez esta equação com o objetivo de estimar a temperatura da superfície solar. De fato, a zona de convecção de um estrela pode ser considerada em equilíbrio convectivo e modelada pela equação de Lane-Emden.

A equação diferencial de Lane-Emden é dada por:

  • 1 ζ 2 d d ζ ( ζ 2 d θ d ζ ) + θ n = 0 {\displaystyle {\frac {1}{\zeta ^{2}}}{\frac {d}{d\zeta }}\left({\zeta ^{2}{\frac {d\theta }{d\zeta }}}\right)+\theta ^{n}=0}

onde ζ {\displaystyle \zeta \,} é o raio reescalonado:

ζ = r ( 4 π G ρ c 2 ( n + 1 ) P c ) 1 2 {\displaystyle \zeta =r\left({\frac {4\pi G\rho _{c}^{2}}{(n+1)P_{c}}}\right)^{\frac {1}{2}}}

e a densidade ρ {\displaystyle \rho \,} é dada como.

ρ = ρ c θ n {\displaystyle \rho =\rho _{c}\theta ^{n}\,}

os subescritos "c" referem-se aos valores de referência da adimensionalização e são normalmente escolhidos os valores encontrados no centro do politropo. A condição de simetria esférica implica necessariamente que a derivada é nula em r = 0 {\displaystyle r=0\,} :

  • d θ d r = 0 {\displaystyle {\frac {d\theta }{dr}}=0\,}

O valor de θ {\displaystyle \theta \,} em r = 0 {\displaystyle r=0\,} , pode ser obtido a partir do valor da densidade:

θ ( 0 ) = ( ρ ( 0 ) / ρ c ) 1 / n {\displaystyle \theta (0)=\left(\rho (0)/\rho _{c}\right)^{1/n}\,} é dado

No caso mais comum em que escolhe-se ρ c = ρ ( 0 ) {\displaystyle \rho _{c}=\rho (0)\,} , temos:

  • θ ( 0 ) = 1 {\displaystyle \theta (0)=1\,}

Contexto físico

No equilíbrio, o efeito do gradiente de pressão e do campo gravitacional se anulam.

Em um fluido politrópico, a pressão P está relacionada com a densidade ρ {\displaystyle \rho \,} por uma equação de estado da forma:

P = C ρ γ ( 1 ) {\displaystyle P=C\rho ^{\gamma }\quad (1)\,} ,

onde C é uma constante e γ {\displaystyle \gamma \,} é um número não inferior a 1 chamado de constante adiabática. A constante adiabática se relaciona com índice do politropo pela relação:

γ = 1 + 1 n {\displaystyle \gamma =1+{\frac {1}{n}}\,} .

O fluido está submetido à força gerada pelo seu próprio campo gravitacional. Esta força é radial e aponta para o centro da estrutura. A magnitude da força gravitacional é denotada pela letra g é considerada uma função da distância ao centro r:

g = g ( r ) {\displaystyle g=g(r)\,}

do teorema das cascas esféricas a força gravitacional dentro de uma estrutura com simetria esférica é dado pela expressão:

g ( r ) = G r 2 M ( r ) ( 2 ) {\displaystyle g(r)={\frac {G}{r^{2}}}M(r)\quad (2)\,}

onde M ( r ) {\displaystyle M(r)\,} é massa total contida até a distância r do centro:

M ( r ) = 4 π o r s 2 ρ ( s ) d s ( 3 ) {\displaystyle M(r)=4\pi \int _{o}^{r}s^{2}\rho (s)ds\quad (3)\,}

aqui ρ ( s ) {\displaystyle \rho (s)\,} é densidade do fluido à distância s do centro.

Como o fluido está em equilíbrio hidrostático, vale a equação de Poisson:

P = ρ g ( 4 ) {\displaystyle \nabla P=\rho g\quad (4)\,}

Derivação da equação de Lane-Emden

Da simetria esférica e da relação (1), a equação (4) reduz a:

C γ ρ γ 1 d ρ d r = ρ g ( 5 ) {\displaystyle C\gamma \rho ^{\gamma -1}{\frac {d\rho }{dr}}=\rho g\quad (5)\,}

Usando o valor de M(R) dado por (3) em (2) e substituindo esta expressão para a densidade em (5)

C γ ρ γ 1 d ρ d r = 4 π ρ G r 2 o r s 2 ρ ( s ) d s {\displaystyle C\gamma \rho ^{\gamma -1}{\frac {d\rho }{dr}}=4\pi \rho {\frac {G}{r^{2}}}\int _{o}^{r}s^{2}\rho (s)ds\,}

ou, equivalentemente:

C γ r 2 ρ γ 2 d ρ d r = 4 π G o r s 2 ρ ( s ) d s ( 6 ) {\displaystyle C\gamma r^{2}\rho ^{\gamma -2}{\frac {d\rho }{dr}}=4\pi G\int _{o}^{r}s^{2}\rho (s)ds\quad (6)\,}

Esta é uma equação íntegro-diferencial para a densidade ρ {\displaystyle \rho \,} em função de r {\displaystyle r\,} . Diferenciando ambos os lados da equação por r {\displaystyle r\,} , obtemos uma equação diferencial ordinária de segunda ordem:

d d r [ C γ r 2 ρ γ 2 d ρ d r ] = 4 π G r 2 ρ {\displaystyle {\frac {d}{dr}}\left[C\gamma r^{2}\rho ^{\gamma -2}{\frac {d\rho }{dr}}\right]=4\pi Gr^{2}\rho \,}

A ideia agora é introduzir a seguinte mudança de variáveis:

ρ = ρ c θ n γ = 1 + 1 / n {\displaystyle \rho =\rho _{c}\theta ^{n}\quad \gamma =1+1/n\,}
d d r [ C ( n + 1 ) ρ c γ 1 r 2 d θ d r ] = 4 π G r 2 ρ c θ n {\displaystyle {\frac {d}{dr}}\left[C(n+1)\rho _{c}^{\gamma -1}r^{2}{\frac {d\theta }{dr}}\right]=4\pi Gr^{2}\rho _{c}\theta ^{n}\,}

ou, equivalentemente:

1 r 2 d d r [ r 2 d θ d r ] = 4 π G ρ c 2 γ C ( n + 1 ) θ n {\displaystyle {\frac {1}{r^{2}}}{\frac {d}{dr}}\left[r^{2}{\frac {d\theta }{dr}}\right]={\frac {4\pi G\rho _{c}^{2-\gamma }}{C(n+1)}}\theta ^{n}\,}

A equação de estado (1) sugere definir P c := C ρ c γ {\displaystyle P_{c}:=C\rho _{c}^{\gamma }\,} , de forma que:

P P c = ( ρ ρ c ) γ {\displaystyle {\frac {P}{P_{c}}}=\left({\frac {\rho }{\rho _{c}}}\right)^{\gamma }\,}

e assim, obtemos:

1 r 2 d d r [ r 2 d θ d r ] = 4 π G ρ c 2 ( n + 1 ) P c θ n {\displaystyle {\frac {1}{r^{2}}}{\frac {d}{dr}}\left[r^{2}{\frac {d\theta }{dr}}\right]={\frac {4\pi G\rho _{c}^{2}}{(n+1)P_{c}}}\theta ^{n}\,}

E conclui-se o desenvolvimento, introduzindo uma nova mudança de variáveis, rescalonando o raio:

ζ = r ( 4 π G ρ c 2 ( n + 1 ) P c ) 1 2 {\displaystyle \zeta =r\left({\frac {4\pi G\rho _{c}^{2}}{(n+1)P_{c}}}\right)^{\frac {1}{2}}}

Soluções da equação

Soluções da Equação de Lane-Emden para n=0, 1, 2, 3, 4, 5, 6.

A equação pode ser resolvida analiticamente quando n = 0, 1 or 5:

n = 0 1 5
θ {\displaystyle \theta } = 1 ζ 2 6 {\displaystyle 1-{\frac {\zeta ^{2}}{6}}} sin ζ ζ {\displaystyle {\frac {\sin \zeta }{\zeta }}} ( 1 + ζ 2 3 ) 1 2 {\displaystyle \left(1+{\frac {\zeta ^{2}}{3}}\right)^{-{\frac {1}{2}}}}
ζ0 = 6 {\displaystyle {\sqrt {6}}} π {\displaystyle \pi }

Aqui, ζ0 indica o primeiro zero da solução.

Caso n = 0

O caso n = 0 {\displaystyle n=0\,} descreve um politropo em que a densidade é uniforme (isocórico). O problema neste caso é linear e é dado por:

{ 1 ζ 2 d d ζ ( ζ 2 d θ d ζ ) + 1 = 0 ,     ζ > 0 θ = 1 ,         d θ d ζ = 0 ,     ζ = 0 {\displaystyle \left\{{\begin{array}{ll}{\frac {1}{\zeta ^{2}}}{\frac {d}{d\zeta }}\left({\zeta ^{2}{\frac {d\theta }{d\zeta }}}\right)+1=0,~~&\zeta >0\\\theta =1,~~~~{\frac {d\theta }{d\zeta }}=0,~~&\zeta =0\end{array}}\right.}

É fácil ver que a solução geral da equação é dada por:

θ = ζ 2 6 + C 1 ζ + C 2 {\displaystyle \theta =-{\frac {\zeta ^{2}}{6}}+{\frac {C_{1}}{\zeta }}+C_{2}\,}

a condição de a solução estar definida na origem implica C 1 = 0 {\displaystyle C_{1}=0\,} e a condição θ ( 0 ) {\displaystyle \theta (0)\,} implica C 2 = 1 {\displaystyle C_{2}=1\,} . A solução é, portanto, dado por:

θ = 1 ζ 2 6 {\displaystyle \theta =1-{\frac {\zeta ^{2}}{6}}\,} , cuja derivada vale:
d θ d ζ = ζ 3 {\displaystyle {\frac {d\theta }{d\zeta }}=-{\frac {\zeta }{3}}\,} , que, de fato, se anula na origem.

Caso n = 1

No caso n = 1 {\displaystyle n=1\,} , o problema é novamente linear e recai numa equação de Bessel esférica de índice 0:

A solução geral desta equação é dada por:

θ = C 1 cos ζ ζ + C 2 sin ζ ζ {\displaystyle \theta =C_{1}{\frac {\cos \zeta }{\zeta }}+C_{2}{\frac {\sin \zeta }{\zeta }}\,}

Da mesma forma, como foi feito para o caso n = 0 {\displaystyle n=0\,} , C 1 = 0 {\displaystyle C_{1}=0\,} e C 2 = 0 {\displaystyle C_{2}=0\,} , observando que:

lim ζ 0 sin ζ ζ = 1 {\displaystyle \lim _{\zeta \to 0}{\frac {\sin \zeta }{\zeta }}=1\,} e, portanto, a solução é dada por:
θ = sin ζ ζ {\displaystyle \theta ={\frac {\sin \zeta }{\zeta }}\,} cuja derivada vale:
d θ d ζ = ζ cos ζ sin ζ ζ 2 {\displaystyle {\frac {d\theta }{d\zeta }}={\frac {\zeta \cos \zeta -\sin \zeta }{\zeta ^{2}}}\,} cujo limite quando ζ 0 {\displaystyle \zeta \to 0\,} é nulo.

Soluções singulares

Quando se desconsideram as condições iniciais, a equação de Lane-Emden possui soluções singulares na origem para todo n > 3 {\displaystyle n>3\,} , ou seja, γ < 4 / 3 {\displaystyle \gamma <4/3\,} da seguinte forma:

θ = X ζ p {\displaystyle \theta ={\frac {X}{\zeta ^{p}}}} ,

onde

X = ( 2 ( n 3 ) ( n 1 ) 2 ) 1 n 1 {\displaystyle X=\left({\frac {2(n-3)}{(n-1)^{2}}}\right)^{\frac {1}{n-1}}}
p = 2 n 1 {\displaystyle p={\frac {2}{n-1}}} .

Transformações da Equação de Lane-Emden

  • Substituindo θ = χ ζ {\displaystyle \theta ={\frac {\chi }{\zeta }}\,} , a equação reduz à
d 2 χ d ζ 2 = χ n ζ n 1 {\displaystyle {\frac {d^{2}\chi }{d\zeta ^{2}}}=-{\frac {\chi ^{n}}{\zeta ^{n-1}}}\,}
  • Substituindo x = 1 ζ {\displaystyle x={\frac {1}{\zeta }}\,} (transformação de Kelvin), a equação se transforma em:
x 4 d 2 θ d x 2 = θ n {\displaystyle x^{4}{\frac {d^{2}\theta }{dx^{2}}}=-\theta ^{n}\,}
  • As transformações de Emden consistem em fazer a seguinte mudança de variáveis:
θ = A x p z , p = 2 n 1 {\displaystyle \theta =Ax^{p}z,\quad p={\frac {2}{n-1}}\,}

que satisfaz a seguinte relação:

d 2 θ d x 2 = A [ x p d 2 z d x 2 + 2 p x p 1 d z d x + p ( p 1 ) x p 2 z ] {\displaystyle {\frac {d^{2}\theta }{dx^{2}}}=A\left[x^{p}{\frac {d^{2}z}{dx^{2}}}+2px^{p-1}{\frac {dz}{dx}}+p(p-1)x^{p-2}z\right]\,}

Esta mudança aplicada à equação na forma dada pela transformação de Kelvin, conduz a:

x 2 d 2 z d x 2 + 2 p x d z d x + p ( p 1 ) z + A n 1 z n = 0 {\displaystyle x^{2}{\frac {d^{2}z}{dx^{2}}}+2px{\frac {dz}{dx}}+p(p-1)z+A^{n-1}z^{n}=0\,}

Este equação pode ser simplificada ainda mais pela introdução de mais uma nova variável:

x = 1 ζ = e t t = log x = log ζ {\displaystyle x={\frac {1}{\zeta }}=e^{t}\quad t=\log x=-\log \zeta \,}

que reduz a última equação a:

d 2 z d t 2 + ( 2 p 1 ) d z d t + p ( p 1 ) z + A n 1 z n = 0 {\displaystyle {\frac {d^{2}z}{dt^{2}}}+(2p-1){\frac {dz}{dt}}+p(p-1)z+A^{n-1}z^{n}=0\,}

Expansão em séries de Taylor

Pode-se encontrar uma expressão para a solução da Equação de Lane-Emden em torno de r = 0 {\displaystyle r=0\,} através do método de Frobenius, que consiste em expandir a solução em série de Taylor:

θ ( ζ ) = i a i ζ i {\displaystyle \theta (\zeta )=\sum _{i}^{\infty }a_{i}\zeta ^{i}\,}

As condições iniciais implicam diretamente:

a 0 = 1 a 1 = 0 {\displaystyle a_{0}=1\quad a_{1}=0\,}

os outros coeficientes devem ser obtidos substituindo a série de θ {\displaystyle \theta \,} na equação. Este procedimento resulta em:

θ ( ζ ) = 1 1 6 ζ 2 + n 120 ζ 4 + ( n 3024 n 2 1890 ) ζ 6 + ( n 46656 61 n 2 1088640 + 61 n 3 1632960 ) ζ 8 + O ( ζ 10 ) {\displaystyle \theta (\zeta )=1-{\frac {1}{6}}\zeta ^{2}+{\frac {n}{120}}\zeta ^{4}+\left({\frac {n}{3024}}-{\frac {n^{2}}{1890}}\right)\zeta ^{6}+\left({\frac {n}{46656}}-{\frac {61n^{2}}{1088640}}+{\frac {61n^{3}}{1632960}}\right)\zeta ^{8}+O(\zeta ^{10})\,}

Referências

  • «Artigo no Mathworld sobre a Equação de Lane-Emden» (em inglês) 
  • (em inglês) Horedt, George Paul ( 1986 ) 5.9MB  PDF, Astrophysics and Space Science vol. 126, no. 2, Oct. 1986, p. 357-408. ( ISSN 0004-640X ). Collected at the Smithsonian/NASA Astrophysical Data System.
  • (em inglês) Subrahmanyan Chandrasekhar, An Introduction to the Study of Stellar Structure, 1939, Dover Publications, Inc
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