Propagandas da ditadura militar brasileira
As propagandas da ditadura militar brasileira influenciaram mais de uma geração de brasileiros pela sua veiculação em todos os meios de comunicação. Segundo o professor da USP, Eduardo Vicente, a decisão do governo lançar a propaganda foi "pragmática, pensando no sucesso imediato que a música poderia ter diante do clima de ufanismo inflado pela propaganda oficial, pela conquista da seleção [brasileira, que ganhou a Copa] e pelo momento de 'milagre econômico'."[1]
Lemas e frases
Os lemas e as canções de incentivo surgiam a todo instante.
Foram criadas as mais diversas frases de efeito, por exemplo:
- "Brasil: Ame-o ou deixe-o!", era usada por adultos e crianças, ostentada em objetos e nas janelas dos automóveis.
- "Brasil:AME-O", muitas empresas de transportes de valores utilizavam-na ostentada em seus veículos.
- "Quem não vive para servir ao Brasil, não serve para viver no Brasil".
Maytê Carvalho classificou o "Brasil: Ame-o ou deixe-o!" como um discurso manipulativo[2]:
“ | Uma falácia que é muito utilizada, principalmente, em relações pessoais e demonstra o viés abusivo desta relação é o falso dilema. O falso dilema te apresenta uma dicotomia que na realidade não existe. “Quem Não está comigo está contra mim”. “Brasil: ame ou deixe-o.” Eu posso não estar nem endossando alguém numa discussão, nem contra... percebem a sutileza da intimidação e manipulação? Ao apresentar como uma escolha binária e não como um espectro de possibilidades, eu sou praticamente coagido a escolher algo. Por que que eu tenho que amar ou deixar? Para ser conduzida mais facilmente como cidadã? A narrativa tem um viés, muitas vezes, de controle. Até mesmo no sentido do âmbito político. A gente precisa ficar atento às falsas dicotomias, aos falsos dilemas. | ” |
Canções
A dupla Dom e Ravel, criou a música "Eu Te Amo, Meu Brasil"[1]
- "As praias do Brasil ensolaradas,
- O chão onde o país se elevou,
- A mão de Deus abençoou,
- Mulher que nasce aqui tem muito mais amor.
- O céu do meu Brasil tem mais estrelas.
- O sol do meu país, mais esplendor.
- A mão de Deus abençoou,
- Em terras brasileiras vou plantar amor.
- Eu te amo, meu Brasil, eu te amo!
- Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil.
- Eu te amo, meu Brasil, eu te amo!
- Ninguém segura a juventude do Brasil.
- As tardes do Brasil são mais douradas.
- Mulatas brotam cheias de calor.
- A mão de Deus abençoou,
- Eu vou ficar aqui, porque existe amor.
- No carnaval, os gringos querem vê-las,
- No colossal desfile multicor.
- A mão de Deus abençoou,
- Em terras brasileiras vou plantar amor.
- Adoro meu Brasil de madrugada,
- Nas horas que estou com meu amor.
- A mão de Deus abençoou,
- A minha amada vai comigo aonde eu for.
- As noites do Brasil tem mais beleza.
- A hora chora de tristeza e dor,
- Porque a natureza sopra
- E ela vai-se embora, enquanto eu planto amor."
Era ainda comum a execução de hinos ufanistas, como "Este é um país que vai pra frente" dos Os Incríveis:
- "Este é um país que vai pra frente
- Rô Rô Rô Rô Rô
- De uma gente amiga e tão contente
- Rô Rô Rô Rô Rô
- Este é um país que vai pra frente
- De um povo unido, de grande valor
- É um país que canta, trabalha e se agiganta
- É o Brasil de nosso amor!"
Futebol
Ao vencer o tricampeonato mundial de futebol em junho 1970, no México, o Brasil assistiu a uma das maiores campanhas publicitárias de massa de sua história.
O presidente da ARENA mandou baixar uma determinação aos candidatos do partido para que utilizassem como base de campanha eleitoral o êxito do futebol brasileiro Copa do Mundo, além de outras vitórias em todas as demais áreas do esporte. Foi aconselhada a associação das grandes realizações de governos anteriores às esportivas.
Em função da publicidade institucional da Ditadura Militar, surgiu então o hino "Pra Frente Brasil", de autoria de Miguel Gustavo, usado até hoje, com pequenas variações (quando fala da população):
- "90 Milhões em Ação
- Pra Frente Brasil
- Do Meu Coração
- Todos juntos vamos
- Pra Frente Brasil
- Salve a Seleção!
- De repente é aquela corrente pra frente
- Parece que todo Brasil deu a mão
- Todos ligados na mesma emoção
- Tudo é um só coração
- Todos juntos vamos
- Pra frente Brasil! Brasil!
- Salve a seleção!"
Interferência direta no futebol
O presidente Médici, gaúcho, exigiu a convocação de Dadá Maravilha, do Atlético Mineiro. Influenciou decisivamente na demissão de João Saldanha às vésperas da copa e criou financiamentos para compra de televisões.
Os militantes de esquerda passaram a parafrasear Marx, citando que "o futebol é o ópio do povo". A preocupação com o futebol era tanta que a comissão técnica e diretoria da CBD eram dadas a militares. Na Copa do Mundo de 1974, o presidente da CBD era o almirante Heleno Nunes, enquanto o preparador físico era o capitão Cláudio Coutinho, depois elevado a técnico na Copa do Mundo de 1978, na qual, o Brasil perdeu, deixando de disputar a final.
Campeonato brasileiro e publicidade institucional
Foi criado o Campeonato Nacional de Clubes (atual Campeonato Brasileiro de Futebol) em 1971. Novamente houve uso político, com o governo influenciando a CBD para incluir times de algumas cidades a pedido de políticos. A população brasileira logo criou o bordão "Onde a ARENA vai mal, mais um time no nacional. Onde vai bem, outro time também".[3][4]
O resultado dessa política foram campeonatos com um absurdo número de participantes (chegando a 94 em 1979, onde clubes de destaque como o Corinthians, Santos e São Paulo boicotaram),[3] regulamentos muitas vezes confusos e resultados no final nem sempre justos e meritórios.
Bibliografia
- ABREU, João Batista de. As Manobras da Informação: análise da cobertura jornalística da luta armada no Brasil (1965-1979). Rio de Janeiro: Mauad, 2000.
- ARBEX JR., José. Guerra Fria: Terror de Estado, Política e Cultura. São Paulo: Moderna, 1997.
- MATOS, Heloíza H. G. Modos de Olhar o Discurso Autoritário no Brasil (1964-1974): o noticiário de primeira página na imprensa e a propaganda política na televisão. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes/USP, 1989 (tese de doutoramento).
- NEOTTI, Clarêncio (org.). Comunicação e Ideologia. São Paulo: Loyola, 1980.
- RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, Cultura e Intelectuais No Brasil. Salvador: EDUFBA
- STEPHANOU, Alexandre Ayub. Censura no Regime Militar e Militarização das Artes. Porto Alegre: EdiPUC-RS
- VALVERDE, Monclar. Militância & Poder. Salvador: EDUFBA.
Referências
- ↑ a b «A história do hino ufanista do regime militar "Eu Te Amo Meu Brasil"». Vice. Consultado em 27 de outubro de 2020
- ↑ «Maytê Carvalho». Instagram. Consultado em 8 de dezembro de 2020
- ↑ a b «Por que Corinthians, São Paulo e Santos boicotaram o Brasileirão de 1979». BOL. Consultado em 26 de outubro de 2020
- ↑ Santiago, José Renato. «Como o golpe de 1964 levou o time da PM ao sucesso». Aventuras na História. Consultado em 26 de outubro de 2020